quarta-feira, 4 de abril de 2007

Por Antônio Carlos Silva Ferreira

FORTE SÃO MARCELO

No meio do caminho tinha um forte, tinha um forte no meio do caminho”. A pedra que tanto calo deu no sapato do Drummond, em razão das críticas que sofreu, me serve de inspiração para ilustrar o que foi o Forte São Marcelo no meu caminho de conhecer Salvador. Desde os meus tempos de guia de turismo que o Forte São Marcelo permanece ali, encravado na Baía de Todos os Santos, no caminho marítimo entre Salvador e a “intrépida” Ilha de Itaparica, sem que eu pudesse conhecê-lo. Dizia-se que era propriedade da Marinha do Brasil e como instalação militar, ainda que sem uso, não estava aberto à visitação pública.

E eu fui vivendo sem nunca me conformar com a idéia de que conhecia os quatro cantos da cidade, mas não tinha o direito de acariciar com os pés o que Jorge Amado apelidara de o “umbigo da Bahia”. E vez por outra surgia uma notícia de que o forte iria ser reaberto como edificação histórica que é aliando ainda as funções de centro de eventos culturais ou centro de compras e houve até quem falasse em restaurante. Notícias ou boatos a parte, o fato é que ele permanecia lá isolado e a experiência mais próxima de uma visita, que eu tive, foi quando o programa Bahia Náutica apresentou uma reportagem na qual seu apresentador e diretor, Denis Peres, nos levou a percorrer, através da TV, as instalações do forte e chamou atenção para a necessidade de recuperação daquele patrimônio esquecido.

Finalmente, me chega trazendo enorme dose de alegria, a notícia de que o Forte estaria aberto à visitação pública a partir de 12 de novembro. Agora sob os cuidados da ABRAF – Associação Brasileira dos Amigos das Fortificações Militares e Sítios Históricos, o Forte São Marcelo pode ser visitado e, em que pese ainda estar carente de recuperação e implantação de infra-estrutura, já se nota o esforço da ABRAF em valorizar o nosso secular guardião.
Adquirimos, no Centro Náutico, o ingresso no valor de R$ 10, que cobre a travessia de barco e um tour guiado nas dependências do forte. A emoção aumentava quanto mais o forte nos parecia se aproximar do barco até o momento histórico em que nosso grupo transpôs o pórtico que dá acesso ao interior da edificação.


Uma pincelada de história

O Forte São Marcelo foi construído, sob um banco de areia, em 1650, visando principalmente evitar o retorno de invasores holandeses, que já haviam atacado Salvador em 1624 e 1638. Construído pelos engenheiros franceses Felipe Guiton e Pedro Garcin, que se sucederam na empreitada, o forte foi concebido em planta circular para permitir à sua artilharia atirar em qualquer direção. O São Marcelo, que sofreu duas reformas no século XVIII, alcançou na segunda metade daquele século seu maior poder de fogo com 54 peças de bronze e ferro. Com esta bateria o Guardião da Cidade da Bahia intimidava e bombardeava naus inimigas que ameaçavam invadir e saquear a cidade.
Teve importante participação nas lutas pela Independência do Brasil na Bahia, consolidada em 02 de julho de 1823. O bem elaborado folheto distribuído pela ABRAF nos conta ainda que o forte fora o principal relógio público de Salvador, disparando tiros que ressoavam num raio de 80 quilômetros, às 4h da manhã e às 9h da noite.
Explorando o São Marcelo
Visitando as 30 salas do forte pisávamos agora o mesmo chão onde pisaram personagens históricos como Bento Gonçalves, da Revolução Farroupilha, e Cipriano Barata, líder da Revolta dos Alfaiates que ali estiveram presos. Na caminhada com o guia não podíamos deixar de notar que o Forte pede ajuda. Não há mobiliário, nenhuma das suas peças de artilharia está por lá e há até mesmo paredes e piso que foram cobertos de azulejo e cerâmica modernos, desfigurando o monumento. Não há energia elétrica nem instalações sanitárias para uso dos visitantes mas sabe-se que a direção da ABRAF já está providenciando a instalação de um banheiro químico e vislumbra a revitalização do forte com inclusão de atividades temáticas, recolocação dos antigos canhões, uso de uniformes de época e a implantação de lanchonete e lojas de souvenirs. O passeio em si torna-se pobre devido às condições físicas e de ambientação do forte, mas serve ao mesmo tempo como denúncia e alerta para a necessidade de uma ação reparadora.
Ao final dos cerca de 60 minutos de passeio, o guia nos acompanha até o píer de onde o barco nos trará de volta à terra firme em cinco minutos de travessia. Do passeio resta a consciência de que ainda não se fez tarde para resgatarmos o Forte São Marcelo, mas que é preciso a sociedade civil engajar-se na luta pela sua recuperação, inclusive cobrando ação dos poderes públicos. E é claro que ficou também o gostinho de ter finalmente conquistado e incorporado ao nosso acervo de riquezas o antes intocável umbigo da Bahia.

Fortes


Visitar os fortes de Salvador é fazer uma viagem de volta ao passado e conhecer mais sobre a história da capital baiana.
HistóriaA cidade de Salvador nasceu sob o signo da defesa. Os portugueses deram início à implantação de um sistema de defesa que evoluiu até o século XVIII. Uma grande muralha de taipa e barro, suficiente contra as flechas dos índios foi a primeira obra militar portuguesa na Capital.Com o passar dos anos, a muralha foi ampliada e reforçada em pedra e sal, ganhando baluartes na parte do mar e torres encasteladas nas portas voltadas para o São Bento e o Carmo.Logo, as preocupações de defesa se voltaram para o mar, de onde os corsários estrangeiros ameaçavam a cidade. Inútil contra a artilharia da época, a velha muralha deu lugar a um eficiente sistema de defesa em profundidade, com trincheiras, muralhas e fortificações, construídas em lugares estratégicos e armadas de acordo com a evolução da arte da guerra.Alguns projetos nasceram da criatividade dos militares portugueses, outros foram desenhados por engenheiros militares das escolas italianas e francesas, contratados pelo governo colonial. A idéia era sempre aproveitar as condições naturais do terreno para as necessidades de defesa e o exercício da mais bela plasticidade.


Forte de São Marcelo: Inicialmente de madeira, foi todo reconstruído em alvenaria em 1624 para enfrentar os holandeses. Em 1650, ganhou a definitiva forma circular. Só tem acesso de barco.


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